
Feito um mantra que ecoa em todos os lugares, tornou-se natural as pessoas falarem de seu cansaço, com a sensação de se tratar de uma espécie de epidemia oculta, que a todos alcança.
Alguns de nós, os mais indignados, esbravejam sua estranheza para quem quiser ouvir. “Mas como é possível eu estar tão cansado, se acabei de voltar de férias”? Ou ainda “Mas eu não fiz nada no final de semana, porque continuo cansado?”.
O filósofo sul-coreano Byung-chul Han, dedicou-se ao estudo desta questão e produziu o ensaio “Sociedade do cansaço”. Em suas reflexões, aponta uma série de características da sociedade contemporânea, que atuam de modo a produzir este efeito do esgotamento coletivo.
Han alerta para um excesso de positividade presente em todas as esferas da sociedade. Discursos, no qual é predominante a ideia de que todas as metas são alcançáveis, basta querer e trabalhar para isto. Esta narrativa produz a experiência de uma “sociedade do desempenho”, em um cenário em que a alta performance se torna a finalidade última, para todos nos.
Han afirma que a sociedade do desempenho seria um contraponto à sociedade disciplinar postulada pelo filósofo francês Michel Foucault no século 20.
Outro ponto importante nos estudos de Han, diz respeito ao excesso de estímulos que é corriqueiro em nossa rotina, dado ao modo que passamos a usar a tecnologia em nossas interações.
O conceito de multi-tarefas, habilidade de realizar múltiplas atividades simultaneamente, é uma das formas do excesso de estímulos.
Como consequência principal, observamos a perda da capacidade de aprofundamento contemplativo do ser humano, já que os indivíduos desenvolvem uma forma de atenção ampla, porém rasa, semelhante à “atenção de um animal selvagem”.
Os efeitos deste estado de atenção constante para nossa saúde física e mental, imagino que ainda nem conseguimos mensurar, mas é fácil imaginar porque cada vez mais nos sentimos ansiosos e deprimidos.
Há outro agravo, a hiper vigilância decorrente do excesso de estímulos promove uma espécie de aversão ao tédio, criando um efeito rebote em que atividades são buscadas constantemente. Para Han, o ócio criativo é decisivo para a evolução intelectual da humanidade, nos mais diversos campos, e será um desafio para esta sociedade escapar de um ciclo de intermináveis atividades, que entretanto nos afastam de uma capacidade criativa mais ampliada.
Como meio de transpor à vida hiper estimulada, Han discute a ideia de uma vida contemplativa, na qual os indivíduos conseguem estabelecer limites ao excesso de estímulos. Para o autor, essa capacidade de negação é mais ativa do que qualquer forma de hiperatividade contemporânea.
Han apelida de “infarto da alma”, estas experiências da sociedade do cansaço. Nesse quadro, o cansaço se manifesta coletivamente, porém em uma percepção profundamente solitária para cada indivíduo, uma fadiga extrema dividida entre as pessoas, mas cada uma com o seu próprio grau de esgotamento.
Define esse cansaço como um cansaço da potência positiva, que incapacita a fazermos outras coisas. Fadiga esta, promovida pelo excesso de desempenho e produtividade.
Vicki Robin e Joe Dominguez, no livro “Dinheiro e Vida” sinalizam que nunca se trabalhou tanto na história humana, e que a vida profissional se tornou uma nova espécie de religião, já que é o lugar onde se busca respostas para questões fundamentais da existência.
Como superar os efeitos que a sociedade do cansaço traz a saúde física e mental? Como escapar a esta lógica que define valor pessoal pelo grau de performance? Como impedir que a utilização indiscriminada de recursos tecnológicos nos retirem a capacidade de contemplação e criatividade?
Penso que este será o desafio de todos nós de agora em diante, espero que mesmo com todo o cansaço, que cada um de nós possa parar para refletir e encontremos meios de resistir ao que for nocivo na utilização dos recursos tecnológicos e nas relações de trabalho hiper-exigentes, e que coletivamente possamos persistir na construção de uma vida social possível, saudável e criativa.
Psicóloga Cristiane Dodpoka
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