Inicio a conversa de hoje, com respeito e cuidado ao seu tempo e disponibilidade, espero que este conteúdo seja relevante, e que de fato seja uma escolha e não uma armadilha.
Pelo menos este é o modo que quero estar frente aos conteúdos que consumo, consciente de minhas escolhas.
Quero falar sobre o recurso mais desejado e perseguido na atualidade pelas grandes corporações tecno midiáticas deste planeta, me refiro a sua ATENÇÃO, o grande tesouro contemporâneo e porta de entrada para a compreensão, captura e perfilamento de comportamentos e da subjetividade humana.
Mas antes, para chegar ao núcleo desta discussão é preciso traçar um panorama preliminar sobre o ambiente digital, pelo qual hoje navegamos, espaço essencial por onde nossa ATENÇÃO é constantemente disputada.
Anualmente a DOMO, empresa especializada em computação em nuvem, realiza um levantamento para aferir o volume de informação que é gerado na Internet a cada minuto, diariamente. O estudo revela ainda, dados significativos sobre comportamento e consumo. (os dados são da edição 2020 do infográfico Data Never Sleeps).
E indica que a cada minuto:
347 mil novos Stories são postados no Instagram.
147 mil fotos são publicadas no Facebook.
41 milhões de mensagens são trocadas no WhatsApp.
US$ 1 milhão por minuto são gastos em compras online.
o Spotify inclui 28 novas músicas ao seu catálogo.
o YouTube ganha 500 novas horas de vídeo enviados pelos usuários.
o Twitter recebe 319 novos usuários.
a Amazon envia 6.659 encomendas.
Veja o infográfico completo com tudo que acontece a cada um minuto na Internet.
Outro ponto relevante que trago a reflexão diz respeito aos estudos sobre a "curva de duplicação do conhecimento”, desenvolvida por Buckminster Fuller, com o objetivo de entender de que forma o conhecimento vem se expandindo ao longo do tempo.
Na década de 80 Fuller estimou que o conhecimento humano dobrava a cada século até 1900. Ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o conhecimento estava dobrando a cada 25 anos. Já em 1982, no mesmo ano em que publicou o livro Critical Path, o conhecimento dobrava a cada 13 meses.
A IBM, amplia esta estimativa afirmando que até 2020 o conhecimento dobraria a cada 12 horas.
Marc Rosenberg, especialista em aprendizado organizacional, acredita que ;
" Estamos a um passo de sermos engolidos pelo fenômeno que intitula de “tsunami do conhecimento”. Descreve os quatro pilares condutores deste processo. São eles: (1) a Internet das Coisas, (2) o Big Data, (3) o avanço da ciência e da invenção e (4) a sociedade colaborativa.
Agora que temos uma melhor dimensão da magnitude do volume informacional que esta civilização produz, já conseguimos avaliar a importância da sua ATENÇÃO como pilar deste modelo de organização tecnosocial que vivemos.
Atenção, em disputa.
Para a economia digital é fundamental às empresas de tecnologia a captura e mobilização da atenção de seus usuários, de modo a mantê-los o quanto mais conectados e engajados as suas plataformas.
Aqui o fator tempo de conexão é crucial, já que viabiliza uma robusta produção, coleta e armazenamento de dados, conferindo maior acuidade preditiva dos mecanismos algorítmicos, e aumento de valor atribuído à mercantilização dos dados. Para Anna Bentes, estudiosa do tema;
" na economia digital, o interesse pelos dados está intrinsecamente ligado ao interesse pela atenção.
" Por isso as estratégias desse mercado se voltam para desenvolver mecanismos persuasivos de captura, de mobilização e de direcionamento da atenção (Bentes, 2019).
Há uma disputa feroz pela atenção dos usuários, e parte das estratégias desenvolvidas nestes espaços de navegação relaciona-se a transformar o uso das plataformas em um hábito, por meio de comportamentos automatizados sem grandes reflexões sobre seus impactos.
Nir Eyal, chama este conjunto de recursos técnicos para a formação desses hábitos de modelo do gancho. E descreve inúmeros gatilhos que são normalmente usados para chamar sua atenção.
Notificações e chamadas para ação, rolagem infinita de feeds, investimento no acúmulo de seguidores e na conquista dos likes, entre outros procedimentos, a depender de cada plataforma que analisarmos.
“A produção deste tipo de experiência, praticamente compulsiva, é fruto de um conjunto complexo de relações históricas, sociais, econômicas, tecnológicas e subjetivas que produzem tanto o enganchamento quanto o engajamento dos usuários em plataformas digitais”. (Bentes, 2019).
E de que modo está lógica extrativista da nossa atenção pode produzir efeitos nocivos, seja individual ou coletivamente?
O canal “Um Minuto da Sua Atenção” ( https://www.umminutodesuaatencao.com.br), produziu um manifesto e aponta diversos riscos a que estamos expostos, para além dos efeitos diretos como prejuízo a memória, cognição e saúde mental.
A soma destes efeitos já é denominada por especialistas como “rebaixamento humano”. Veja a lista ampliada;
· Estimulação de dopamina: o neurotransmissor responsável pelo nosso sentimento de recompensa e comportamento é um recurso utilizado para nos manter conectados, por meio de curtidas, reações, sorrisos e formas de validação social.
· Cores, Luzes e Movimentos: são estrategicamente utilizados para aumentar a impulsividade do usuário. Notificações e avisos, tornam-se difíceis de serem ignorados, apesar de muitas vezes irrelevantes ao usuário.
· Rebaixamento da concentração e funções cognitivas: apenas estar perto de seu smartphone, mesmo sem utiliza-lo, já pode reduzir a capacidade cognitiva e fragmentar a concentração, devido a um constante estado de alerta.
· Cansaço: há uma correlação direta e comprovada entre uso abusivo de telas e qualidade do sono, cansaço e piora de qualidade de vida.
· Ansiedade: a quantidade e velocidade de informações e o constante medo de estar “por fora”, no que popularmente designa-se como FOMO.( fear of missing out).
· Vulnerabilidade a dependência: em pesquisa promovida pela Common Sense Media, 50% dos adolescentes dizem sentir-se dependente do smartphone, enquanto 27% dos pais dizem o mesmo.
· Saúde Mental – Infância e Adolescência: aumento de problemas de saúde mental entre crianças e adolescentes. Estudos correlacionam esse fato ao uso abusivo de tecnologia.
· Acidentes : usar smartphones enquanto dirige, figura como uma das frequentes causas de acidentes automobilísticos
De maneira complementar a ideia dos riscos frente ao extrativismo da atenção, o filósofo sul-coreano Byung-chul Han, dedicou-se ao estudo do que chamou a “Sociedade do cansaço”. E aponta uma série de características da sociedade contemporânea.
Han, fala sobre o excesso de estímulos que é corriqueiro em nossa rotina, dado ao modo que passamos a usar a tecnologia em nossas interações. O conceito de multi-tarefas, habilidade de realizar múltiplas atividades simultaneamente, é uma das formas do excesso de estímulos.
Como consequência principal, observamos a perda da capacidade de aprofundamento contemplativo do ser humano, já que os indivíduos desenvolvem uma forma de atenção ampla, porém rasa.
Há outro agravo, a hiper vigilância decorrente do excesso de estímulos promove uma espécie de aversão ao tédio, criando um efeito rebote em que atividades são buscadas constantemente. Para Han, o ócio criativo é decisivo para a evolução intelectual da humanidade, nos mais diversos campos, e será um desafio para esta sociedade escapar de um ciclo de intermináveis atividades, que entretanto nos afastam de uma capacidade criativa mais ampliada.
Como meio de transpor à vida hiper estimulada, Han discute a ideia de uma vida contemplativa, na qual os indivíduos conseguem estabelecer limites ao excesso de estímulos.
Para o autor, essa capacidade de negação é mais ativa do que qualquer forma de hiperatividade contemporânea. Han apelida de “infarto da alma”, estas experiências da sociedade do cansaço.
Como superar os efeitos que o extrativismo da atenção nesta sociedade do cansaço traz a saúde física e mental?
Como lidar com o excesso de estímulos?
Como evitar que a utilização indiscriminada de aparatos tecnológicos nos retirem a capacidade de contemplação e criatividade?
Este será o desafio de todos nós de agora em diante. Pensar e fazer escolhas conscientes diante dos conteúdos que consome, interagir em meios digitais com maior propriedade de si-mesmo e menos ingenuidade diante de qualquer aparato informacional.
Tratar-se com cuidado, exercer seu direito a desconexão, saber que existe prazer, descobertas e novidades para além dos ambientes tecnológicos, que são apenas um aspecto da existência humana.
Espero que mesmo com todo o cansaço e hiper estimulação, que cada um possa parar para refletir e encontrar meios de resistir ao que é nocivo na utilização dos recursos tecnológicos, e que coletivamente possamos persistir na construção de uma vida social possível, saudável e criativa.
E você, por onde anda sua atenção?
Cristiane Dodpoka
Psicóloga Clinica. Atendimentos OnLine a Adultos, Adolescentes e Casais. Especialista em Psicossomática Psicanalítica. Experiência em Saúde Mental e acolhimento a situações de crise. Coordenadora de Grupos Terapêuticos e Círculos de Dialogo. Consultoria e Atendimentos em Saúde do Trabalhador. Estudiosa de CiberPsicologia e CiberCultura.
Para esclarecimentos sobre atendimento Online, Palestras, Rodas de Conversas, Cursos, Grupos de Estudos e Consultorias, consulte: www.psicologacristianedodpoka.com
Referencias
Bentes, Anna. Quase um tique : economia da atenção, vigilância e espetáculo em uma rede social / Anna Bentes. – Rio de Janeiro : Ed. UFRJ, 2021
EYAL, Nir. Hooked: how to build habit-forming products. Nova York: Penguin Group, 2014.
HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço; tradução de Enio Paulo Giachini. 2ª edição ampliada – Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.
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