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O SENTIDO DAS REPETIÇÕES


Fenômeno universal da experiência humana, quem de nós nunca se viu em meio a um processo inexplicável de repetição?


Como uma espécie de feitiço do tempo nos vemos aprisionados a certas circunstâncias e pessoas que racionalmente julgamos desagradáveis e inadequadas para nossas vidas.


Conhecemos o enredo, os personagens e o final da história, mas mesmo assim estamos lá a repetir e repetir o que inevitavelmente terminará por nos fazer sofrer.

A constatação deste fato, como algo corriqueiro da vida psíquica, costuma trazer bastante descontentamento as pessoas, com a percepção de ser regido ou dominado por forças e aspectos desconhecidos.


Este tipo de repetição pode se apresentar em situações como relacionamentos hostis, empregos em que somos desvalorizados, reações típicas frente a figuras de autoridade, certos tipos de encontros que não compreendemos racionalmente porque mantemos,

pode ser um habito ou comportamentos que tanto desejamos mudar, enfim são inúmeras

as manifestações possíveis neste campo. Mas afinal, porque buscamos o que nos faz sofrer?

A psicanalise estudou com bastante propriedade este conceito nomeado por Freud de compulsão a repetição.

Em suas analises, Freud percebeu que este comportamento não se manifestava apenas em seus pacientes mais adoecidos, mas que ocorria em uma ampla gama de pessoas e situações, mesmo sem a presença de uma psicopatologia.


Aqui cabe um parêntese acerca de uma das grandes contribuições da psicanalise, quando se esforça para apresentar e descrever os tantos fenômenos psíquicos dentro de um espectro de normalidade e com profunda compreensão das contingencias da condição humana.

Esta visão analisa os eventos psíquicos sem o peso dos estigmas e preconceitos, mas como etapas do processo de constituição da personalidade.

Retornando ao fenômeno da repetição, sem a expectativa de aqui aprofundar conceitos psicanalíticos complexos, Freud entendeu que estava diante de certa universalidade e que conteúdos inconscientes e recalcados, buscavam repetidas vezes as situações desagradáveis como uma tentativa de inscrição na experiência consciente era o desejo de expressão de algo que ficou sem resposta, sem explicação na primitiva constituição do sujeito, e que precisava de algum modo ser simbolizado.


Em sua ampla maioria estas experiências diziam respeito a situações vividas na infância, com profunda relação às figuras parentais e modelos de cuidado recebidos, traumas e rupturas sentidas pela criança como ameaçadoras a sua sobrevivência física e afetiva.

Este processo apesar de comum na experiência humana tem uma complexidade significativa, já que estamos falando do que é oculto na vida psíquica, e apesar de sermos capazes de reconhecer os padrões de repetição em que nos envolvemos, a sua compreensão não é algo tão simples de ocorrer, normalmente solicita parceria em um cuidadoso processo de autoanalise.


No cotidiano da clínica esta é uma temática recorrente, também é um desafio a dupla analítica (cliente e profissional de saúde mental ) trilhar este caminho arqueológico na compreensão dos padrões que se repetem, e por fim poder dissolve-los.

Mas quando isto ocorre, uma espécie de clarificação se estabelece, permitindo a criação de outros modos de ressignificar a própria dor.

Como essência a psicoterapia é o lugar onde se é convidado às simbolizações, se observar, revisitar os próprios conflitos e memórias, encontrar gatilhos e afetos escondidos no que se repete e acessar novos meios de compreender o que ficou mal resolvido na estória mental.

Diferentemente da repetição que traz a ideia de paralisia e aprisionamento, o que é simbolizado foi compreendido, adquiriu outros significados, ganhou outra direção e energia na dinâmica psíquica.

Pelo processo de elaboração psíquica, as vivencias do passado, presente e futuro podem integrar-se e promover maior espaço para a restauração do que já foi vivido, mas que de algum modo estava danificado.

Este processo restaurativo pode ser transformador e nos convida a sermos donos de nossa própria história, agora quem sabe com novos enredos e novos finais, quem sabe inéditas!


Psicóloga Cristiane Dodpoka

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