"Pensar pede audácia, pois refletir é transgredir a ordem do superficial que nos pressiona tanto. [ ... ] Somos inquilinos de algo bem maior do que o nosso pequeno segredo individual. É o poderoso ciclo da existência.
Viver, como talvez morrer, é recriar-se: a vida não está aí apenas para ser suportada nem vivida, mas elaborada.
[ ... ] Será preciso questionar o que nos é imposto, sem rebeldias insensatas mas sem demasiada sensatez. Saborear o bom, mas aqui e ali enfrentar o ruim. Suportar sem se submeter, aceitar sem se humilhar, entregar-se sem renunciar a si mesmo.
Sonhar, porque se desistimos disso apaga-se a última claridade e nada mais valerá a pena. Escapar, na liberdade do pensamento, desse espírito de manada que trabalha obstinadamente para nos enquadrar.
E que o mínimo que a gente faça, seja, a cada momento, o melhor que afinal se conseguiu fazer.” Livro Pensar é transgredir – Lya Luft
Esta reflexão da escritora Lya Luft para mim é um poderoso convite a busca por uma existência verdadeira e real, quem sabe possível já que todas as facetas da experiencia humana podem estar contidas.
Percebo que grande parte do sofrimento cotidiano guarda profunda relação com as expectativas distorcidas acumuladas ao longo da vida, sobre nós mesmos, sobre os outros e sobre como a vida deveria ser.
Isso não se dá aleatoriamente, dentro de nosso processo de desenvolvimento psíquico durante a infância, absorvemos realidades parciais e em dada medida ilusórias, porém adequadas ao nível de maturidade emocional daquele momento de nossas vidas, com o tempo suportamos conhecer outros níveis destas verdades, e na vida adulta nos deparamos com um processo necessário e intermitente, que é a desilusão.
O que aponto aqui como desilusão, não é algo negativo, mas é a capacidade de vivermos sem ilusões, sem idealizações, compreender a essência dos fatos, e buscar recursos internos para lidar com nossas fragilidades e as imperfeições do mundo e dos outros.
É interessante notar como este processo se da na psicoterapia, a medida em que há uma abertura e maior tolerância para com as complexidades do próprio mundo interno, inicia-se concomitantemente a conquista de um outro olhar para o que há de insuficiente no outro, e retomando o pensamento de Lya Luft, concordo que pensar a si-mesmo e reelaborar a vida, questionar-se sobre os automatismos e enquadres que impedem a experiencia de uma vida autoral, talvez seja o único modo de encontrar-se um dia, lembrando que “Refletir é transgredir a ordem do superficial que tanto nos pressiona’’.
Psicóloga Cristiane Dodpoka
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