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Sobre o Desejo de ser Normal


Quem define o que é normal em uma sociedade? O que se entende por normal hoje, seria estranho em outras épocas? Algo que fazemos hoje assustaria nossos ancestrais? Algum hábito natural neste tempo perderá seu sentido no futuro?


Certamente sim, os padrões de conduta social são definidos coletivamente ao seu tempo e cultura, orquestrados por poderes que desconhecemos, são costurados cuidadosamente para atender um conjunto de expectativas relacionadas à necessidade de manter uma suposta ordem e controle social.


Não quero dizer com isto que os acordos sociais que prezam a ordem e o convívio não sejam necessários, evidentemente são a única possibilidade para a permanência de uma humanidade civilizada, entretanto nesta busca pela ordem, algumas anomalias podem ocorrer. São aquelas coisas que cruelmente exigimos uns dos outros, e terminamos por produzir uma sociedade adoecida.


Através de acordos tácitos, determinamos coletivamente como as pessoas devem ser e agir, colonizando qualquer iniciativa de ser autentico, singular, original. Como uma espécie de manada vamos seguindo expectativas que não sabemos mais de quem são.


Quando o assunto é Tratamento de Saúde Mental, isto é especialmente problemático.

Cotidianamente, as pessoas que vivenciam sofrimento mental extremo, chegam aos consultórios ou unidades de saúde já envergonhadas, imaginando que seu adoecimento e fragilização tenham a ver exclusivamente com elas, por alguma incompetência ou fracasso pessoal.


Tomados pela culpa, esquecem os elementos da vida coletiva que contribuem para alguém adoecer. Relações vazias, trabalhos precários, desigualdade, cidades violentas, traumas experimentados ao longo da vida, uma certa desesperança quanto ao futuro, indiferença coletiva ao mundo dos afetos, dificuldade em ser quem de fato se é.


A exigência de um sujeito enquadrar-se em padrões absolutistas pode ser devastadora, e na tentativa de voltar ao enquadre e ser parte de algo maior, perguntam:

“Mas Doutor, eu vou voltar ao normal?” Sem dar-se conta, que o normal está doente.


Como profissional da Saúde, desde cedo escolhi mirar além dos diagnósticos, prefiro ouvir e olhar para o sofrimento mental em uma perspectiva profunda e ampliada, buscando os sentidos e contextos em que os sujeitos adoecem, já que entendo que somos produtores destes sofrimentos individuais pelo modo que funcionamos coletivamente.


Então, não sei se é bom ser normal, talvez o melhor seja ser autêntico, ser si-mesmo, conhecer os próprios desejos e necessidades e quem sabe trilhar uma vida em que isto possa ser alcançado.


Nise da Silveira, médica brasileira e reconhecida mundialmente por sua contribuição à psiquiatria, revolucionou o tratamento mental no Brasil, costumava dizer:

“Não se curem além da conta. Gente curada demais é gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura. Vou lhes fazer um pedido: Vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda. Felizmente, eu nunca convivi com pessoas ajuizadas. É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade.”

(Nise Magalhães da Silveira)

Psicóloga Cristiane Dodpoka

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